Monday, July 03, 2006

À Quarta, no fim da vida.


Olha! Já estão a sair, a porta entreabre-se e fica suspensa, a um pouco menos de meio aberta. O que é que se passou lá dentro? Será que posso mesmo olhar para a cara destas pessoas para perceber o que é que se passa. É óbvio que o doente é ele e, a bem dizer, ela nem me parece mulher dele, antes mais uma amiga. É bonita ela, talvez uns cinquenta e com o cabelo todo branco mas tem aquela luz natural das pessoas para quem tudo é possível, que sempre acreditaram que tudo está ao seu alcance. Às vezes imagino-me na pele das outras pessoas - assim como quando estou a ver futebol tento perceber se o jogador é bom ou mau antecipando as jogadas, se ele jogar tão mal como eu não pode ser grande coisa; e dá para ver que ele está com medo, eu nunca mexeria as mãos daquela maneira se não estivesse cheio de medo. A porta voltou a correr e saem de tropel, devagar. De repente vejo lágrimas e toda a gente, o médico está na sua, toda a gente fala, baixo. 'Era disto que eu tinha medo' foi a única coisa que consegui ouvir antes de se encostarem à parede ao meu lado, e ficarem à espera que o Doutor acabasse de falar com alguém, o que demorou o seu tempo. Não fora a esfoliação dos pés arrastados de por quem aqui passa e a aplicação repetida de novas camadas de cera, quentes, isolantes, incapacitantes, anestesiantes, digo-vos meus amigos de quatro patas, esta existência era insuportável.