Tuesday, February 28, 2006

Vi-te no bar!

A música está boa e inspira a troca de olhares quando entras a deslizar por mim. Sinto-te o cheiro e vejo o reflexo da luz do bar na tua pele, tens a cara vermelha do frio e os teus olhos claros e pele branca dão-me vontade de te puxar para mim, de gastar muito tempo a falar contigo, de me deixar engatar, contigo. Ainda tentaste falar-me, pelo menos reeditar a troca de olhares, mas falta-me autoconfiança para te olhar mesmo nos olhos quando te aproximas a perguntar do banco. Balbucio que sim e finjo interesse nos músicos, não te olho, não te sinalizo, arrependo-me e escrevo.

Quem é ela?

'Apaixonei-me pela minha melhor amiga. Estou com um problema de estratégia e, para além de todas as inquietações óbvias de alguém que se apaixonou indevidamente, sei que ela é de um tipo muitíssimo cerebral.'

'Primero tens de te garantir três coisas, os níveis mínimos de sexo satisfatório e comparticipado, a não leitura obrigatória de qualquer coisa anterior à segunda metade do século passado ou com proveniência da américa latina, e a participação regular em qualquer acto de solidão activa eventual. Depois, devidamente preparado, podes agir. Relativamente à estratégia diria que deves deixar passar o quadrado horário do período que intercedeu o vosso último e penúltimo encontros, excepto pela realização de uma chamada insuspeita de mero update para a qual deves arranjar um pretexto apropriado e de preferência com potencial humorístico. Tendo decorrido o período, o que nos coloca no início da Primavera, ela telefonará, e mesmo que o seu tipo cerebral não o admita imediatamente, vai estar muitíssimo interessada em passar algum tempo no teu jardim da buganvília - a esta altura já mandaste podar as hastes afectadas pelos trabalhos na cobertura do jardim de inverno. Aproximando-se a data providenciarás a existência de mantimentos condignos à oportuna e não prevista produção de uma refeição ligeira e portátil, que prepararão juntos, rapidamente, e sem outros utensílios que as próprias mãos. Tentarás que se esqueçam de bebida que acompanhe a refeição e, acima de tudo, abstém-vos do vinho ou qualquer álcool já que os tipos cerebrais confundem o à vontade com a vontade. Vais ser tu a dirigir a conversa mas falarás o menos possível, há que garantir que ela sente o teu interesse mas, antes de mais, que está interessada em partilhar a sua vivência, em te fazer participar. Prepara, pela tua parte, um tema de conversa relacionado que não envolva nem acontecimentos sociais recentes, nem literatura nem trabalho, ou qualquer temática habitual de conversa de conveniência, mantém-te original e, plano B, assegura-te de que funciona a instalação de som do jardim e faz uma selecção de música para o dia onde não incluirás música étnica . Acabada a refeição irás, sozinho, preparar este chá que irão beber à sombra, sentados no chão e apoiados nas almofadas do jardim de Inverno, não antes de 20 minutos decorridos desde o final da refeição. Chegado o fim da tarde o frio e o sono vão fazer com que se retirem para o salão onde, sentados no sofá, sem música, embrenhados na conversa, não vão ser capazes de se desenlear. Aí, passado o frio e a olhar para ti enquanto falas de algo muito íntimo e inocente, ela vai perceber o quanto se sente bem contigo, o quanto lhe apetece estar ali mais vezes, o quanto lhe apetece, agora, experimentar também as manhãs. Aí, também, vais ter de perceber se estás apaixonado ou não.

Aditamento a 'Sobre a solidão'

Gostaria de acrescentar que me parece existir ainda uma terceira solidão - a activa. A solidão activa é a minha, a de quem não sabe estar sozinho, a de quem acredita investir em relações com quem admira, com quem tem interesse e assunto e conversa, com quem é bonito e tem sucesso, com quem ama. Não deixas nunca de te sentir sozinho e o teu motivador primo é sempre a busca de um contentamento que, no fim de cada um dos teus dias, acabas por não alcançar.

Este texto sabe-me a metal.

Sobre a solidão

Hoje ouvi-me a dizer 'Existem dois tipos de solidão, a solidão produtiva e a solidão passiva. Eu gostava de sofrer de solidão produtiva, gostava de passar mais tempo sozinho, a ler, a escrever, a desenhar. Sofre de solidão produtiva quem sabe que precisa de tempo e de estar sozinho para se desenvolver. E depois há a solidão passiva, de quem tem tanta falta de alguma coisa que não consegue estar com ninguém, falta-lhe auto confiança, amor, interesse próprio ou, se calhar, só lhe falta assunto.'

Gostei do que me ouvi dizer.