Sunday, March 19, 2006

Angústia

Se na rua alguém se aproxima de ti com um ar bonacheirão e simpático, interpela como quem vai perguntar uma direcção ou as horas e, perante os teus olhos, se transforma na vergonha e na humilhação de um avô de 58 anos despedido após 30 anos de trabalho num departamento jurídico que na verdade não te pede mais nada a não ser a tua compreensão através de um discurso balbuciado e sem nexo

... sou um analfabeto... ...disseram-me que não tenho competências... ...vocês são jovens... ...ouçam-me... ...desculpem incomodar... ...eu tive tudo...

então isso, isso que sentes, é angústia. a recordação da cena, tão recente, confunde-me - não sei se as lágrimas que vejo a correr, redondas e emparelhadas, quase cuspidas, não sei se são reais, não sei se foram minhas, sei apenas que as senti.

Lamento.

Pois, nós lamentamos, é o pró-forma.

Compreendo, mas não posso fazer mais nada.

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